12 abril 2019Colaboração empreendedora entre o Centro de Investigação de Montanha do Politécnico de Bragança e a Quinta da Palmirinha tem já quatro anos e apresenta resultados excepcionais
O Centro de Investigação de Montanha (CIMO) do Instituto Politécnico de Bragança dedica-se ao estudo exaustivo dos recursos naturais da região de Trás-os-Montes, particularmente daqueles que apresentam grande dimensão produtiva, como o castanheiro. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAOSTAT), Portugal está entre os três maiores produtores europeus de castanha, com a região Norte a assegurar mais de 80% da produção nacional. Que se destina, maioritariamente (85%), ao mercado internacional. É mesmo o 'fruto' com maior significado na balança comercial, com exportações seis vezes superiores às importações. A sua importância económica é também evidenciada pelas quatro Denominações de Origem Protegida (DOP) já criadas: 'Castanha da Terra Fria', 'Castanha dos Soutos da Lapa', 'Castanha da Padrela' e 'Castanha de Marvão'.
A investigação científica aplicada a estas matrizes naturais vai desde a caracterização química e análise do potencial farmacológico até ao desenvolvimento de produtos inovadores, que incluem nas suas formulações ingredientes naturais com capacidade de conferir benefícios para a saúde.
Considerando a emergente preocupação relativa ao uso de alguns aditivos artificiais nos produtos alimentares, e, face às restrições legislativas impostas pelas entidades reguladoras (EFSA - Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar e agência americana FDA - Food and Drug Administration), o grupo de investigação tem seleccionado diferentes matrizes como potenciais fontes de aditivos naturais para aplicação alimentar na substituição de aditivos artificiais. Com um know-how privilegiado no que respeita ao potencial anti-oxidante e anti-microbiano de centenas de espécies vegetais e de macrofungos analisadas até à data, a equipa elegeu a flor de castanheiro como um ingrediente conservante natural. Esta flor destacou-se pela sua forte actividade antioxidante, nomeadamente na captação de radicais livres, poder redutor e capacidade de inibição de processos de peroxidação. Além disso, a flor de castanheiro apresentou efeitos bacteriostáticos e bactericidas (e.g., contra Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella typhimurium, Enterobactercloacae, Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Micrococcus flavus e Listeria monocytogenes), bem como fungiestáticos e fungicidas (e.g., Aspergillus fumigatus, A. ochraceus, A. versicolor, A. niger, Trichoderma víride, Penicillium funiculosum, P. ochrochloron e P. verrucosum var.cyclopium). Estas propriedades, testadas laboratorialmente, permitiram chegar a uma concentração de flor de castanheiro óptima de actuação na conservação de alimentos.
INTERESSE INDUSTRIAL
O potencial conservante demonstrado por esta flor deve-se à presença de moléculas bioativas, determinadas através de técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência acoplada a detectores de díodos e de espectrometria de massa (HPLC-DAD-Ms). A flor de castanheiro mostrou-se rica em compostos fenólicos, mais precisamente 27 moléculas em que 12 são representadas por taninos hidrolisáveis (elagitaninos), que correspondem a 84,4%, e 15 são flavonóides (derivados glucosilados de miricetina, quercetina, canferol e isorametina, correspondendo a 15,6%. O elagitanino trigaloil- hexa-hidroxidifenoil-glucósido apresenta-se como o composto fenólico maioritário presente numa percentagem de 41% do total das moléculas identificadas.
A divulgação da aplicação de flor de castanheiro como conservante natural, em alternativa a substâncias artificiais, levou ao interesse imediato de diversas indústrias nacionais e estrangeiras, nomeadamente a vitivinícola. A excelência do vinho depende em certa medida da qualidade dos conservantes. A opção mais comum recai sobre os sulfitos. Neste sentido, a procura por conservantes naturais, especialmente na produção de vinhos biodinâmicos, representa um campo de investigação inovador. Foi esta lógica de atuação que levou à conjugação do interesse do produtor de vinhos Fernando Paiva (Quinta da Palmirinha) com o saber adquirido do grupo de investigação da Professora Isabel Ferreira, do Centro de Investigação de Montanha, que, em conjunto, iniciaram uma colaboração para o desenvolvimento de um vinho biodinâmico incorporando o ingrediente à base de flor de castanheiro como alternativa natural de conservação. De realçar que a flor é colhida após o período de polinização, sem provocar qualquer efeito na produção da castanha. Após a colheita, as flores são devidamente desidratadas e armazenadas em condições adequadas. O ingrediente é adicionado directamente ao vinho aquando da sua produção, mantendo todo o restante processo inalterável. Mais concretamente, a flor de castanheiro é adicionada exactamente na mesma etapa do processo em que se costumam adicionar os sulfitos, numa quantidade determinada pelos ensaios laboratoriais da sua capacidade conservante.
Os resultados desta colaboração empreendedora, que teve início há quatro anos, têm sido excepcionais. Perante as análises efectuadas, a adição do ingrediente de flor de castanheiro conferiu ao vinho propriedades conservantes, sem alteração dos seus parâmetros físico-químicos (e.g., título alcoométrico volúmico adquirido; massa volúmica, extrato seco total, extrato não redutor, açúcares totais, acidez total, acidez volátil, acidez fixa, pH, dióxido de enxofre livre, dióxido de enxofre total, ácido L- málico, ácido tartárico, prova de estabilidade (alteração oxidásica), título alcoolémico volúmico total) e sensoriais (e.g., aspeto-limpidez, aspeto-cor, aroma- prova descritiva, sabor-prova descritiva). A tecnologia e a concentração activa encontram-se protegidas por diversas patentes: Internacional, Europeia e EUA. O vinho resultante tem tido muito boa aceitação (nacional e internacionalmente), tendo também vindo a ser destacado pela sua qualidade organolética ímpar, em parte resultante da distinta aromaticidade conferida pela flor de castanheiro. A maior vantagem deste processo é a completa eliminação do uso de conservantes sintéticos, nomeadamente sulfitos, permitindo ao consumidor, desfrutar de um produto altamente apreciado com qualidade e, mais importante, com segurança, podendo ainda obter mais-valias de outras propriedades bioactivas conferidas ao vinho pela presença da flor de castanheiro.
Sandrina A. Heleno e Isabel C.F.R. Ferreira - CIMO
* Este artigo é um contributo da Associação Portuguesa de Enologia, que apoia o Bons Vinhos. Para mais informações, visite www.apenologia.pt
QUINTA DA PALMIRINHA JÁ SÓ USA FLOR DE CASTANHEIRO
A produzir vinhos biológicos desde 2001 e com a certificação biodinâmica desde 2007, Fernando Paiva procurava, há muito, um conservante natural para substituir os sulfitos. Encontrou-o no Politécnico de Bragança e não podia estar mais satisfeito. 'Comecei com 100 litros para experimentar, em 2015, e o ano passado já toda a minha produção foi feita com flor de castanheiro. Que não deixa que os vinhos oxidem, permitindo que se revelem na sua totalidade. São vinhos mais genuínos', garante o produtor, que lembra a preferência crescente dos consumidores por produtos 'absolutamente naturais'.
Dos seis mil litros de vinho que produziu em 2018, sob a marca Quinta da Palmirinha, 70 a 80% irão para o mercado externo, com especial destaque para os Estados Unidos, o Canadá e o Japão.